O dia em que a professora convidou um indígena para a aula
Lembro-me bem do relato de alguém sobre a experiência em sua infância de ter um indígena na aula do 19 de abril.
Contava-me de sua curiosidade em ver uma “figura” sempre tão distanciada pelos livros bem ali à sua frente.
A expectativa de enfim ver um índio do qual se falava todos os anos no mês de abril tinha sido enfim suprida, mas o que veio após aquela visão maravilhosa se desfez assim que a professora começou a dar sua aula.
Ele não entendia, enquanto criança, o porque o indígena não estava falando.
A professora fazia exatamente o que era feito todos os anos. Falava de um índio distante, separado da realidade , estereotipado. Buscava guache pra pintar os rostos dos alunos, apontava para ele e dizia coisas sobre sobre seu povo no intuito claro e desajeitado de prestar homenagem. Afinal era o DIA DELE!
Enquanto ela fazia o relato eu lembrava da fala da personagem Clara Luz no livro A fada que tinha ideias.
“Tenho muita pena das professoras coitadas, falam tanto!”
Sim, falamos muito… Falamos demais até, porque aprendemos que é assim que se dá aula. Aprendemos que o professor detém o saber e transmite o conhecimento.
Seguimos falando-incansavelmente muitas vezes -sem nos dar conta dos equívocos que cometemos.
Aquela professora, lá nos anos 90 que tentava inovar trazendo para o espaço escolar um indígena da terra ainda estava amarrada à uma antiga corrente pedagógica que a levava a utilizar um ser humano como simples recurso ilustrativo de sua aula.
Aquele indígena era como uma figura em um livro, um desenho em um cartaz, uma imagem em um pequeno vídeo.
Me espantou ( como espantou aquela criança) o fato de ele ter que ficar ouvindo alguém que apenas leu algo em um livro falar sobre seus hábitos, sua cultura, sua fé…
Ali, parado, calado, inerte ele apenas ouviu um professor que tudo sabia-ou achava que sabia -sobre seu povo.
Este é um relato do qual me lembro todos os anos e reforça uma pequena certeza que tenho a cerca da prática pedagógica.
A postura do professor frente ao outro e suas crenças a cerca do que é ensinar dará o “tom” de suas aulas.
Guimarães Rosa disse:
Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.
Mas muitos ainda acreditam que ignorar algo ou aprender com o outro é assinar atestado de inferioridade intelectual. O que é uma lástima!
Seria bom que estivéssemos dispostos a aprender !
A oportunidade que a professora perdeu de aprender com um indígena da terra só não foi mais lamentável que ter negado aos seus alunos essa interação, esse diálogo, essa alegria de realizar descobertas sobre determinado povo com um representante legítimo dele.
Quantos de nós deseja ardentemente a mesma oportunidade de levar até a escola um indígena que possa dialogar com as crianças, responder seus questionamentos, mostrar um pouco de sua arte e ensinar para nós de forma prática o que podemos ou não falar sobre cultura indígena em nossas salas de aula?
Eu respondo…. MUITOS!
Para encerrar essa reflexão…
Paulo Freire nos disse que “Educar é impregnar de sentido o que fazemos a cada instante!” e entendo que a tentativa da colega foi dar sentido à sua aula comemorativa de dia do índio. Uma pena que ela ( naquela época) não tenha conseguido
O questionamento que quero deixar para vocês é…
Qual sentido está sendo dado ao ensino da cultura indígena em sua sala de aula?
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Gi Carvalho