O saudoso Paulo Freire falou certa feita, na abertura do Congresso Brasileiro de Leitura, realizado em Campinas, em novembro de 1981,
sobre a importância do ato de ler; esta fala tornou-se um dos artigos que compõem um livro muito especial com o mesmo título, e serviu de referência para a reflexão de muitos a cerca da leitura.
Ele falava não apenas da leitura do que escrito está nos livros, mas da leitura de mundo, aquela que antecede a leitura da palavra. Falava de sua infância, de suas impressões, do universo que o cercava e da compreensão, já adulto, de como o ato de ler foi importante em sua experiência existencial.
Contudo, ao falar deste tema ele não se referia à uma leitura realizada nos moldes antigos em que não se pedia do sujeito uma compreensão profunda daquilo que se lia, mas como um processo que envolve uma compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo (FREIRE, 1989), processo pelo qual passou ao escrever sobre o tema para o evento em que iria falar.
Freire , ao escrever sobre sua compreensão de aquisição de leitura, “primeiro, a “leitura” do mundo, do pequeno mundo em que se movia; depois, a leitura da palavra que nem sempre, ao longo de sua escolarização, foi a leitura da “palavramundo.”. (FREIRE, 1989), e de sua importância, nos leva a refletir sobre nós mesmos e a forma como fomos tomando ciência ( na medida em que líamos o mundo) de que haviam palavras, frases, textos, livros a serem lidos, e que tudo isso ampliaria uma visão já existente, a complementaria ao invés de tomar seu espaço.
Mas, por qual motivo trago Paulo Freire que tanto se dedicou à alfabetização de jovens e adultos para o universo da Educação Infantil?
Ora, os pressupostos de Freire sobre a leitura e mesmo a reflexão sobre sua infância nos dá tema para pensar em como as crianças “leem” o mundo ao seu redor o tempo inteiro, buscando curiosamente compreendê-lo; e é de suma importância que o professor de Educação Infantil faça uso dessa curiosidade para auxiliar as crianças no desenvolvimento de habilidades como a competência com a Linguagem oral e escrita.
Neste momento te convido a ler as 5 primeiras páginas do livro “A Importância do ato de ler” de Paulo Freire, refletir e falar um pouco em nosso Fórum sobre como se deu o processo de aquisição de leitura em sua caminhada.
A leitura pode provocar encantamento do mesmo modo que pode provocar pavor, isso vai depender muito de como o mundo das letras é apresentando para as crianças. É certo que muito antes de adentrarem uma sala de aula elas já têm contato com histórias, já descobrem palavras , já almejam decifrá-las ; contudo este é um processo inicial de descoberta, cabendo ao educador, com muita empatia, envolvê-las para que este universo de saberes possa ser ampliado.
Para que a criança possa encantar-se pela leitura é preciso que o professor esteja atento à faixa etária e livros indicados para cada idade, levando em consideração as fases de desenvolvimento das crianças atendidas.
É preciso levar em consideração que na primeira infância a criança possui uma visão egocêntrica que vai sendo modificada e amenizada à medida que adquire maturação psicológica; desenvolvendo assim uma percepção menos subjetiva do mundo real.
Deste modo as leituras com temas sobre socialização e convívio familiar são bem adequadas. Indica-se também textos literários acompanhados de ilustração tendo em vista que estas crianças estão
em processo de desenvolvimento intelectual
passando do campo concreto para o das
abstrações, do campo da fantasia para o real.
Encantamentos da leitura
Literatura para crianças de zero a dois anos:
Para esta fase indicam se livros que possam ser manipulados livremente, cheirados, sentidos pelo tato, etc . Escolha livros de pano, livros de plástico e com cores vibrantes
Literatura para crianças a partir de dois anos:
Nesta fase a criança já pode ouvir histórias com significados mais complexos, uma vez que já possui vocabulário mais elaborado e consegue comunicar-se melhor.
Literatura para crianças a partir de 4 anos:
Esta é uma fase em que a criança se encontra apta para compreender histórias mais elaboradas.
Elas se interessam por contos de fada, fábulas, aventuras, etc. Após escolher a literatura adequada para seu público , o professor deve propiciar momentos de leitura atrativos que despertem na criança o interesse e o encantamento pela literatura apresentada e divertidas
É importante salientar que ao ouvirem e lerem histórias as crianças podem ter aprimoradas sua linguagem oral e escrita e por este motivo é tão importante que o professor estimule-as de forma adequada.
De acordo com os RCNs:
“a leitura de histórias é um momento em que a criança pode conhecer a forma de viver, pensar, agir e o universo de valores, costumes e comportamentos de outras culturas situadas em outros tempos e lugares que não o seu.” (BRASIL, 1998, P.143)
O primeiro contato da criança com os textos acontece oralmente ( em casa) por meio da comunicação com o adulto que conta histórias, declama poesias, parlendas ; e é muito importante que na escola essa comunicação através de um mundo encantado não se perca.
Esta audição deve acontecer diariamente sem que necessariamente se esteja pensando em uma alfabetização nos moldes antigos.
É preciso entender que “ ouvir histórias não é uma questão que se restrinja a ser alfabetizado ou não”. (Abramovich, 1997, p.22), é preciso mostrar para criança que se pode ler pelo simples prazer da leitura.
É sabido que, só se aprende a escrever escrevendo, do mesmo modo que só se aprende a ler lendo. Contudo o trabalho com a escrita na Educação Infantil caminha ( em boa parte das instituições) em dois extremos.
No primeiro há certa insistência em treinos caligráficos de letras, cópias extensas do quadro, etc.
No segundo temos um quase que total desaparecimento de práticas de escrita na primeira infância.
É importante entender que escrever apenas por escrever é não apenas improdutivo, mas contraproducente, pois cria na criança aversão pela palavra escrita em lugar de entusiasmá-la para que venha explorá-la nos diversos contextos sociais como pretendemos, bem como não propiciar momentos de escrita é ferir um direito da criança de explorá-la em seu cotidiano.
Concordamos com Piccoli e Camini 2012 quando dizem que:
“não basta escrever; é necessário participar de interações relevantes em torno da escrita em produção” (PICOLLI e CAMINI, 2012 , P.69)
E compreendemos que para se realizar um bom trabalho com a palavra
escrita em sala de aula propiciando à criança este tipo de interação é necessário:
- Gerar motivação promovendo situações desafiadoras para uso da escrita;
- Privilegiar inicialmente produções coletivas, realizadas no quadro e guiadas pelo professor; (PICOLLI e CAMINI, 2012 )
- Criar ambiente que permita a exploração da escrita e da reescrita;
- Colocar os alunos em contato com pessoas que fazem uso da escrita em seu trabalho, etc.
Te convido a ler , na próxima , página um texto de Mônica Correia Baptista, sobre a apropriação da linguagem escrita na Educação Infantil e refletir sobre este que é um direito da criança.
Autor: Mônica Correia Baptista,
Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG / Faculdade de Educação / Centro de Alfabetização Leitura e Escrita (CEALE) e Núcleo de Estudos e Pesquisas em Infância e Educação Infantil (NEPEI),
Apropriação da linguagem escrita na Educação Infantil
A apropriação da linguagem escrita na Educação Infantil designa o processo educativo por meio do qual as crianças vão expandindo seus conhecimentos e suas experiências relacionadas à cultura escrita.
Esse processo pressupõe situações de aprendizagem planejadas, sequenciadas, sistematizadas e desenvolvidas por profissionais qualificados e devidamente habilitados, que, de um lado, garantam o contato cotidiano das crianças com variados suportes e gêneros discursivos orais e escritos e, de outro lado, incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento e o conhecimento das crianças sobre a linguagem escrita.
O debate sobre o ensino e a aprendizagem da língua escrita na Educação Infantil esteve condicionado, durante algumas décadas, à pergunta: “alfabetizar ou não na pré-escola?”
Do ponto de vista da pesquisa, essa falsa polêmica dificultou a elaboração e o debate acerca de importantes questões, por exemplo:“como dar continuidade a um processo de construção de conhecimento que se iniciou antes da entrada da criança numa instituição educativa?”
“De que conhecimentos deve dispor um professor de crianças de 0 a 5 anos para estimular o processo de apropriação da linguagem escrita?”
No âmbito das instituições de Educação Infantil, essa falsa polêmica gerou, de um lado, práticas pedagógicas que mantinham as crianças isoladas da linguagem escrita e, de outro lado, práticas que estimulavam as crianças a sonorizar letras, repetir oralmente sílabas ou fazer cópias de letras, de sílabas e de palavras sem uma preocupação com seus significados e contextos de uso.
Atualmente, vem-se superando essa polêmica, entendendo-se que cabe às instituições educativas o dever de assegurar à criança o seu direito de interagir com a cultura letrada e dela participar desde a mais tenra idade.
Para que esse direito se efetive, destacam-se alguns princípios orientadores.
Em primeiro lugar, as práticas educativas devem respeitar as especificidades da primeira infância, tomando como eixos norteadores as interações e a brincadeira.
Em segundo lugar, devem entender a apropriação da linguagem escrita como um trabalho contínuo que requer intensa elaboração cognitiva e que se constitui como fonte de interações e de reflexão sobre si e sobre o mundo.
Em terceiro lugar, devem promover e intensificar o contato da criança com diferentes gêneros discursivos, em especial com a literatura entendida como arte, superando uma visão instrucional e pragmática da mesma.
Finalmente, espera-se que, nas creches e pré-escolas, as funções, os gêneros textuais, os diferentes suportes da escrita e as temáticas envolvidas nos textos disponibilizados sejam também objeto de reflexões acerca dos conteúdos e da estrutura dos textos.
Esses princípios asseguram que a língua escrita seja parte constitutiva das interações entre os participantes e dos seus processos e estratégias interpretativas.
A oralidade pode ser ainda incentivada a partir da repetição de parlendas, e trava-línguas, quadrinhas, ditados populares, conversar em roda, brincadeiras com cantigas, etc.
�BAPTISTA, M. C. O lugar da linguagem escrita no currículo da Educação Infantil. In:
FAVACHO, A. M. P.; PACHECO, J. A. & SALES, S. R. Currículo: conhecimento e avaliação. Curitiba, PR: CRV, 2013. p. 209-220.
�GONTIJO, C. M. M. O processo de apropriação da linguagem escrita em crianças na fase inicial de alfabetização escolar. Tese (Doutorado em Educação), Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2001.
�GOULART, C. M. A apropriação da linguagem escrita e o trabalho alfabetizador na escola. São Paulo, Cadernos de Pesquisa, nº 110, julho/ 2000. p. 157-175.