Como surgem as brincadeiras das crianças?
Elizabeth Times Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB) e professora da
Universidade Católica de Brasília (UCB).
Gabriela Tunes Mestre em Ecologia pela Universidade de Brasília (UnB)Historicamente, o faz-de-conta emerge num momento social específico, quando muda a posição da criança na sociedade.
Como surgem as brincadeiras das crianças?
Imagem sob licença de Mycute Graphics |
o elo entre a criança e a sociedade era direto e imediato
– desde os anos mais remotos, as crianças viviam uma
vida em comum com os adultos. O desenvolvimento da criança
no âmbito dessa vida comum era um processo unificado
e integral. A criança constituía uma parte orgânica das
forças produtivas combinadas da sociedade, e sua participa-
ção nesta era limitada apenas pelas suas capacidades físicas.
tornaram-se mais complexos, o elo entre a criança e a sociedade
mudou: tal elo, anteriormente direto, passou a ser
mediado pela educação e normas de criação. (…) No processo
de desenvolvimento social, as funções da educação e
criação tornaram-se, cada vez mais, uma responsabilidade
da família que, por sua vez, constituiu-se como uma
unidade econômica independente. Ao mesmo tempo, os
laços entre a família e a sociedade tornaram-se, cada vez
mais, indiretos. O conjunto de relações caracterizadoras da “criança na sociedade” foi, assim, obscurecido e dissimulado
pelo sistema de relações “criança-família” e, dentro
desta, pelas relações “a criança e o indivíduo adulto”
Ariès (1978) apresenta-nos uma série de evidências históricas a respeito dessas mudanças no estatuto da infância na sociedade.
A consciência coletiva acerca da infância, ou o conceito, propriamente dito, de infância desencadeia-se com a emergência de dois sentimentos em relação à criança, que se conjugam nas suas próprias
contradições, conforme permite-nos pensar Ariès.
beijem as crianças recém-nascidas, que não têm ainda nem
movimento na alma, nem forma reconhecível no corpo pela
qual se possam tornar amáveis, e nunca permiti de boa vontade
que elas fossem alimentadas na minha frente.
Tanto a paparicação quanto a irritação eram sentimentos novos que começaram a surgir ao final do século 16 e, principalmente, no decorrer do século 17, e é de suas contradições que se passa a entender
como não mais desejável “que as crianças se misturassem com os adultos, especialmente na mesa – sem dúvida porque essa mistura permitia que fossem mimadas e se tornassem mal-educadas” (Ariès, 1978, p. 161).
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Vale realçar: separar é distinguir; é conceituar.
Imersa no mundo dos adultos, ainda no início do século 17, a criança participava com vigor de todas as suas atividades: danças, jogos, brincadeiras, festas sazonais coletivas, trabalho, espetáculos musicais,
teatro. Não eram apenas espectadores: tinham papéis e lugares importantes definidos.
vida cotidiana eram tanto destinados aos adultos quanto às crianças.
mulheres elegantes como manequim de moda.
Como surgem as brincadeiras das crianças
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Em síntese, o que a análise e a interpretação históricas
revelam é que “por volta de 1600, a especialização das brincadeiras atingia apenas a primeira infância; depois dos 3 ou 4 anos, ela se atenuava e desaparecia.
participava das mesmas brincadeiras dos adultos, quer entre crianças, quer misturada aos adultos” (Ariès, 1978, p. 92; grifos do original).
abandonados, deixando-se as crianças, de um modo geral, e adultos de classes populares como seus repositórios.
valer” (com apostas em dinheiro), para concluir que:
E nos conduz a uma conclusão importante.
Partimos de um estado social em que os mesmos jogos e brincadeiras
eram comuns a todas as idades e a todas as classes.
O fenômeno que se deve sublinhar é o abandono desses jogos
pelos adultos das classes sociais superiores e, simultaneamente,
sua sobrevivência entre o povo e as crianças dessas
classes dominantes. É verdade que na Inglaterra os fidalgos
não abandonaram, como na França, os velhos jogos, mas os
transformaram, e foi sob formas modernas e irreconhecíveis
que esses jogos foram adotados pela burguesia e pelo “esporte”
do século 19.
E notável que a antiga comunidade dos jogos se tenha rompido
ao mesmo tempo entre as crianças e os adultos e entre
o povo e a burguesia. Essa coincidência nos permite entrever
desde já uma relação entre o sentimento da infância e o
sentimento de classe (Ariès, 1978, p. 124).
Do que foi exposto até aqui, importa destacar que, contemporaneamente, o que nos aparece como uma atividade tipicamente infantil, realizada entre crianças ou, individualmente, por uma criança, no
passado, foi uma atividade coletiva, desenvolvida por adultos e crianças que constituíam, indistintamente, um único corpo social.
mudança e transformação das nossas formas culturais de comportamento.
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