Alfabetização tradicional vista pela Teoria da Inteligência como Processamento de Informações: estudo de caso.

Teresa Helena Schoen Ferreira – Mestranda da UNIFESP/EPM
Maria Delfina Farias Dias – Mestranda da UNIFESP/EPM
Maria Aznar Farias – Professora Adjunta do Departamento de Pediatria da UNIFESP/EPM
________________________________________

Endereço: Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente.Rua Botucatu, 715 CEP 04023-062 – São Paulo – SP – Brasil. email: [email protected]

________________________________________

O presente trabalho tem como objetivo demonstrar que os métodos tradicionais de alfabetização desenvolvem habilidades cognitivas para a leitura, consideradas fundamentais pelos estudiosos da teoria de inteligência como processamento de informações. Através do estudo de caso, com uma adolescente com várias repetências escolares, pode-se observar como as diversas habilidades foram trabalhadas para consolidar o processo de alfabetização
Palavras-chave: Alfabetização, métodos de ensino; Processamento de Informações.
________________________________________

Um elevado número de adolescentes apresenta-se defasado em relação à série escolar e idade cronológica. Muitos fatores, tanto ambientais quanto individuais, estão envolvidos no processo educacional. O grupo social imediato do indivíduo – a família – influencia o processo educacional formal, seja através do nível sócio-econômico e cultural, ou mesmo da escolarização dos elementos da família, da valorização dada por essa ao ensino formal e à exposição da criança ao estresse por excesso de atividades programadas. Maturano (1999) lembra a influência do envolvimento dos pais, estilos parentais e organização do lar no sucesso do processo educacional formal.

Olhando para o próprio adolescente, os fatores internos mais associados ao fracasso escolar são os relativos a aspectos orgânicos (como algumas disfunções neurológicas), cognitivos e/ou afetivos (Jacob et al, 1999).

O rebaixamento cognitivo definido como retardo mental “é um funcionamento intelectual inferior à média, acompanhado de limitações significativas no funcionamento adaptativo em pelo menos duas das seguintes áreas de habilidades: comunicação, autocuidados, vida doméstica, habilidades sociais/interpessoais, uso de recursos comunitários, auto-suficiência, habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde e segurança”(DSM-IV, pg 39).

Do ponto de vista do ambiente, marcamos a influência dos elementos ideológicos, políticos e sociais referentes à qualidade do ensino, ao papel da escola e sua importância na vida do adolescente, e a qualidade da formação dos professores, tanto no que se refere ao uso de métodos e técnicas educacionais dentro da sala de aula, quanto ao conteúdo a ser trabalhado.

Maia, Pereira e Souza (1999) consideram a escola como um fator determinante do fracasso escolar, especialmente por causa de seus métodos de ensino. O fracasso escolar, manifestado por repetências de séries ou mesmo pelo abandono da escola, é discutido no aspecto sócio-político, porém revelado concretamente, no aluno, pela dificuldade em aprender, especialmente a leitura e a escrita no processo inicial de alfabetização.

Observando atentamente os suportes dados aos professores, tanto por órgãos governamentais, quanto pela iniciativa privada (programas de televisão, revistas), estes são principalmente dirigidos à primeira fase do ensino fundamental, enfatizando-se a alfabetização.

O modelo de inteligência que se constituiu com os testes de quociente intelectual não explica o processo de aquisição da leitura, porém estimulou a visão da inteligência como capacidade de processamento de informações ligadas às habilidades necessárias para o sucesso acadêmico (Siqueira, Barbosa & Alves, 1999).

Hunt (in Sternberg, 1992) “propôs que as diferenças individuais na inteligência verbal podiam ser compreendidas amplamente em termos de diferenças entre a velocidade individual de acesso à informação léxica na memória de longa duração” (pág 28). Assim, quem tem acesso mais rápido às informações, pode ter um desempenho melhor especialmente nas tarefas verbais.

O aprendizado da leitura, para Pinheiro (1995), “depende de habilidades como percepção, memória, consciência de que as letras do alfabeto simbolizam sons diferentes e de que esses sons podem ser agrupados para formar palavras”. A leitura também envolve o aprendizado das regras e suas exceções, além das deduções lingüísticas na leitura em contexto.

Perfetti (in Sternberg, 1992) procura explicar a capacidade para leitura. Divide-a em dois componentes, sendo o primeiro acesso ao léxico e o segundo compreensão.

O acesso ao léxico nada mais é do o reconhecimento de uma palavra e para isso é necessário que o indivíduo possua as habilidades básicas, como a memória.

Ao ler, o leitor habilidoso tem a impressão de que lê o conjunto, talvez até saltando algumas palavras. Na verdade, nem todas as palavras possuem a mesma quantidade de tempo de fixação ocular. Palavras longas são fixadas pelo olho durante um maior tempo que as palavras curtas, assim como as raras em relação às comuns. Os leitores perdem menos tempo na palavra casa que lupa, por exemplo. A própria posição na sentença modifica o tempo de fixação ocular. A última palavra da sentença é fixada durante mais tempo que as outras, como para compreensão da mesma; ou se as palavras apresentam-se fora da ordem comum, sujeito, verbo, objeto, adjunto, necessitam de maior tempo de fixação do olhar.

Os leitores utilizam sistemas de códigos diferentes no registro mnemônico de itens verbais. Pode ser, por exemplo, através de rima ou ortografia semelhante (Pinheiro, 1995). Leitores habilidosos costumam utilizar códigos fonológicos.

O reconhecimento da palavra pode se dar tanto de baixo para cima (reconhecimento das letras, das sílabas e da palavra), quanto de cima para baixo, pelo seu contexto semântico. Neste segundo caso, a lógica na sentença é que rege a leitura, por exemplo, João foi para … Sem ler a próxima palavra, o leitor pode deduzir que seja casa, especialmente se já fixou o olhar na primeira letra da próxima palavra, c. Caso o contexto seja modificado, também a dedução do leitor segue outro caminho, por exemplo depois de vestir o uniforme, João foi para a… É um processo interativo, pois o leitor deverá identificar pelo menos as primeiras letras da próxima palavra para ter sucesso na leitura da frase, pois o sujeito da ação pode tanto ir para a escola, quanto para casa da vizinha, ou a parada do ônibus.

Ler não é somente identificar as palavras, mas compreender o que foi lido. O indivíduo precisa adquirir informações gerais suficientes (aquisição de esquemas), para que possa aplicar a muitos textos diferentes. Para Perfetti (in Sternberg,1992) “o indivíduo deve ser capaz de aplicar a estrutura de conhecimento correta à situação correta”, ou seja, selecionar o esquema. Mudar os esquemas e combiná-los durante a leitura do texto, completando sua idéia geral, é chamado de refinamento do esquema. Portanto, a leitura envolve a ativação e o uso da informação pela memória, num processo de interação das diversas habilidades.

A inserção do indivíduo no mundo da leitura e escrita o transporta da pré-história para a história. O mundo contemporâneo enfatiza a leitura para qualquer atividade, como pegar ônibus, descer na estação do metrô, fazer compras, freqüentar lanchonetes. Portanto, torna-se inadmissível alguém viver numa cidade e não saber ler, pois perde oportunidades sociais, com menor possibillidade de arrumar emprego e manter-se nele, de deslocar-se independentemente pela cidade, além de ter sua auto-estima diminuída por não dominar uma habilidade básica do indivíduo que vive em cidade.

O objetivo deste trabalho é demonstrar como, trabalhando com métodos de alfabetização absolutamente tradicionais, mas tendo como pano de fundo a teoria da inteligência como processamento de informações, pode-se consolidar o processo de alfabetização.

MÉTODO



Sujeito: Foi atendida uma adolescente do sexo feminino, com 12 anos e 03 meses, cursando pela segunda vez a terceira série do Ensino Fundamental, com repetências na 1ª série, na 2ª série e na 3ª série. Apresentou uma Idade Gráfica de 5 anos e meio e um Quociente de Inteligência de 52. A adolescente foi encaminhada para este serviço por outra psicóloga. A mãe da adolescente fica em casa durante o dia, e os irmãos estão adequados quanto a série escolar e idade. Na casa há uma televisão e nenhum livro, a não ser os escolares. Não foi relatado hábitos de leitura ou interesse por programas televisivos educativos. A família considerava as repetências escolares como resultado da ‘preguiça’ da adolescente.


Procedimento: O atendimento psicopedagógico foi realizado duas vezes por semana, enfatizando a leitura, matemática, ritmo, coordenação motora, estudos sociais, higiene, sexualidade e esquema corporal, além de enriquecimento das informações. Estendeu-se por dois anos, porém, descontados os meses de férias e greve universitária, foram dez meses de atendimento.

Para o desenvolvimento da leitura foram utilizados métodos tradicionais de alfabetização, como o alfabético, o fonético, o silábico, a palavração e sentenciação, mas sem o uso de cartilhas.
Inicialmente verificou-se quais os erros de leitura feitos pela adolescente (omissão, acréscimo ou troca de letra ou palavra, troca de letra, sílaba ou palavra, hesitação na leitura de palavra, ou mesmo não conseguir lê-la, dificuldade de ler uma frase mantendo o ritmo). Identificados os erros, as técnicas e métodos foram utilizados para extinguir ou minimizar cada qual separadamente.

Instrumentos: Durante o atendimento foram utilizados os mais diversos materiais, como videocassete, papel, lápis grafite, lápis de cor, gravador, livros de literatura infanto-juvenil com letra cursiva e de imprensa, revistas, jornais. Além de trabalho corporal e manual.


RESULTADOS

1. Troca de letras: leitura correta das letras, tanto cursiva quanto de imprensa (d, p, q, b; a o l b Q O B D H X F ) e melhora na leitura de alguns fonemas como p/b, t/d, f/v;

2. Troca, omissão, acréscimo ou hesitação na leitura de sílabas: leitura correta das sílabas simples (ca, ma, ta) e de algumas complexas (tra, pra, car, pon), separação correta de sílabas, inclusive dígrafos (rr, ss, gu), leitura correta e instantânea de alguns prefixos e sufixos (trans, super, ção, mente);

3. Troca, omissão, ou hesitação na leitura de palavras: treinamento de leitura de palavras, conhecidas e desconhecidas, simples e compostas, com diferentes números de sílabas e acentuação tônica; z

4. Hesitação na leitura de sentenças: classificação de substantivos por gênero e número; dificuldade em completar sentenças ou substituir palavras dentro da sentença, como por exemplo, após exercícios de leitura e interpretação de texto, deveria completar os espaços em branco. Acertava os substantivos, adjetivos e pronomes possessivos. Verbos, advérbios e demais classes de palavras demonstrou extrema dificuldade. Treino de leitura de acordo com a pontuação, envolvendo entonação, pontuação, pausa e ritmo.

DISCUSSÃO



Apesar da adolescente apresentar um QI que a inseriria dentro do grupo de Deficientes Mentais Leves, não foi diagnosticada como tal, pois quanto aos critérios adaptativos, apenas apresentou limitações nas habilidades acadêmicas. Demonstra aquisição de autodireção, como autonomia no cuidado de si mesma, de tarefas domésticas; evolução dos interesses, inserindo-se em programas extracurriculares, como bordado, costura, esportes, passeios; e desenvolvimento de relações interpessoais, tanto em relação à sua família, quanto às amizades. Suas aspirações para o futuro estão dentro das capacidades que demonstra possuir e expectativa da família, não se distanciando das aspirações dos irmãos.
Durante o período de atendimento a adolescente foi incentivada a procurar outras atividades fora da escola. Passou a freqüentar atividades extracurriculares, como passeios que a escola propiciava, e outros recursos da comunidade, como bordado e costura.
A mãe foi solicitada a envolver-se com as atividades escolares, através do estabelecimento de rotinas, como hora certa para fazer lição de cas, lugar específico para os estudos, ajuda em tarefas domésticas. Quanto mais a adolescente respondia adequadamente às tarefas escolares, mais responsabilidade e confiança recebia dos pais. A família aceitou buscar apoio para a adolescente em outras questões, que não-somente às escolares, como orientação sobre sexualidade, oftalmologia e dermatologia. A adolescente passou a buscar e receber ajuda da mãe até alcançar certa autonomia, como fazer compras na feira, ir à padaria, assar um bolo, fazer o almoço. Passou também a ter mais atividades com o grupo de paresNa adolescente em questão, o rebaixamento intelectual diminui muitas possibilidades, mas não as extermina. Integrando seus recursos cognitivos, ela consegue funcionar adequadamente nos campos social e emocional.
Os métodos tradicionais de alfabetização trazem embutidos em si todas as características necessárias para se trabalhar o processo de leitura e escrita de acordo com o Processamento de Informações.
A informação das letras passa por aspectos elementares, como curvatura, ângulos, laçadas e posição. Ao utilizar-se o método alfabético, enfatiza-se a percepção das pequeninas diferenças entre as letras, ativando a memória de baixo para cima, facilitando o reconhecimento das letras. O objetivo é que as letras sejam reconhecidas rapidamente, sendo mais facilmente integradas às sílabas e palavras, propiciando uma leitura correta.
Os métodos fonético e silábico propiciam a habilidade de segmentar fonemas. Deste modo, oferece-se ao indivíduo um importante recurso mnemônico para leitura, qual seja, os códigos fonológicos.
O método silábico procura instrumentar o indivíduo a reconhecer automaticamente sílabas, além de sufixos e prefixos, propiciando menos erros e hesitação na leitura, levando a maior velocidade. Com isto, há uma facilitação na compreensão do todo, pois a própria velocidade, mantendo um ritmo de leitura, ajuda no reconhecimento da próxima sílaba. Aparece os primeiros indícios da leitura de cima para baixo, pois quando a adolescente leu João ganhou uma tartaruga e foi fazer uma ca… O próprio ritmo e lógica da sentença a levam a deduzir que a próxima sílaba seja sa, pois, treinada para terminações comuns, rapidamente observa que o tamanho da sílaba final não comporta o sufixo inha, portanto a palavra correta é casa, e não casinha. Mas poderia ser cama. Por isso, num processo interativo, com uma fixação rápida do olho na próxima letra, já identifica se será um s ou um m.
Automatizando as terminações, o leitor adquire um recurso precioso para o aumento da velocidade de leitura. As terminações dos verbos, por exemplo, leva a própria compreensão do tempo (futuro ou passado) da sentença. Portanto o treino das terminações ão e am facilitou a compreensão de quando ocorre a ação da sentença, se passado ou futuro, como por exemplo nas frases Clara e sua mãe sairam da loja. Elas comprarão o estojo outro dia. Novamente o processo de leitura é governado pela interação das informações de baixo nível (identificação da terminação) com as de alto nível (contexto da história), elevando a capacidade para compreensão do texto.
O aprendizado de gênero e número de substantivos levou a adolescente a apresentar melhor ritmo na leitura ao correlacionar o sujeito (singular ou plural) com o verbo, ou o substantivo (masculino ou feminino, singular ou plural) com seu adjetivo. Com isto, houve uma melhora na compreensão da sentença lida.
Os métodos tradicionais de alfabetização procuram desenvolver as habilidades básicas que o indivíduo deve ter para tornar-se um leitor habilidoso. Porém, somente a presença dessas habilidades não garantem sua utilização em tarefas mais complexas, como a leitura de um livro, a escrita de um poema, ou mesmo a execução correta de uma receita culinária. O contexto social que incentiva o interesse em aprender, independente da educação formal é a chave para a utilização dessas habilidades em qualquer atividade humana, especialmente as que envolvem a leitura e escrita.






BIBLIOGRAFIA


JACOB, A V.; LOUREIRO, S. R.; MARTURANO, E.D.; LINHARES, M. B. M. & MACHADO, V. L. S. Aspectos Afetivos e o Desempenho Acadêmico de Escolares. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 1999, vol. 15, no 2, pp 153-162.


MAIA, A. C. B.; PEREIRA, A. B., SOUZA, D. G. Aquisição de Leitura e Desempenho no WISC. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 1999 vol. 15, n 1, pp. 17-27.


MARTURANO, Edna Maria. Recursos no Ambiente Familiar e Dificuldades de Aprendizagem na Escola. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 1999, vol.15, no 2 , pp.135-142.


MARTURANO, E. M.; MAGNA, J. M.; MURTHA, P. C. Procura de Atendimento Psicológico para Crianças com Dificuldades Escolares: um Perfil da Clientela. Psicologia: Teoria e Pesquisa, I993, VOL. 9, nO 1, pp. 207-226.


PINHEIRO, A. M. C. Dificuldades Específicas de Leitura: A identificação de Déficits Cognitivos e a Abordagem do Processamento de Informação. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 1995, vol. 11, no 2, pp. 107-115.


SPINILLO, A. G. Dificuldades de Aprendizagem: uma Abordagem Cognitiva. Revista. de Psicologia. 1986, vol 4, no 1, pp. 89-113.


STERNBERG, Robert. As Capacidades Intelectuais Humanas: uma abordagem em processamento de informações. Porto Alegre, Artes Médicas, 1992.

Vai deixar um Comentário?

Alfabetização e Letramento Construtivismo e
Método Fônico por Emília Ferreiro