Numa rua de subúrbio, uma criança estava sentada à porta de casa, olhando um livro ilustrado. Bem perto, havia uma escola e ali passavam muitas jovens que estavam se preparando para ser professoras.
Uma delas parou para ver a criança e disse:
— Que gracinha de menina!
— Me conta a história, disse a garota.
— Não, primeiro você tem de aprender a ler. Quer que eu te ensine? Olhando o título, a jovem apontou: a, o, e, u, i, o. Não, assim, não. Melhor assim: a, e, i, o, u.
A criança olhou desconsolada e pediu novamente para ouvir a história. A futura professora não desistiu.
— Veja, é fácil: a com i faz ai! Como você fala quando sente uma dor. E e com u faz eu! E apontava para o próprio peito, dizendo: eu, ai! eu, ai!
A criança, um pouco assustada, desviou o olhar e abriu o livro. A normalista aborreceu-se e foi para a aula de Métodos e Técnicas de Alfabetização contar para a professora que tinha encontrado uma pobre criança que era um caso típico de falta de prontidão para a leitura.
Logo depois passou outra jovem que se enterneceu com a cena da menina com o livro nas mãos.
— O que é que você está lendo?
— Não sei ler. Me conta a história?
— Vou ensinar a você. Como é seu nome?
— Betinha.
— Não, isso é seu apelido. Como é seu nome?
A menina pensou um pouco e olhou desolada para o livro:
— Me conta a história.
— Só se você me disser seu nome.
— Elisabete Maria de Oliveira.
— Ah, bom. Então vamos ver.
Puxando um caderninho da bolsa, a moça escreveu Elisabete e pediu à criança:
— Aqui está o seu nome: ELISABETE. Vamos ler apontando com o dedinho.
Apontando as nove letras, a menina leu: E-li-sa-be-te- ma-ri-a- de- o-li-vei-ra.
A jovem ficou embatucada e anotou a resposta para ir perguntar à professora de Psicogênese da Língua Escrita como interpretá-la.
— Tchau, querida! Outro dia eu te ensino, OK?
Não demorou muito, passou outra jovem de boa vontade e a criança lhe pediu:
— Me conta a história!
— Que gracinha! Eu conto se você me responder umas perguntas.
A criança olhou ressabiada.
— Você já sabe as letras do alfabeto?, disse a moça.
— Não.
— Você conhece as famílias silábicas?
— Quê?
— Deixa pra lá. Diga-me uma palavra que começa com pa. Por exemplo, pato, papai, palácio.
— Rei, princesa.
— Quê?
— Palácio, rei, princesa.
A futura professora suspirou. Saiu dali muito triste, achando que a menina era muito bonitinha, mas não tinha discriminação auditiva.
Daí a meia hora, passou um professor de Gramática, cansado e meio calvo, andando devagar. A menina resolveu tentar a sorte.
— Me conta a história!
— Não é assim. Fale de novo: conta-me a história.
— Hum?
— Conta-me a história, eu disse, respondeu o gramático.
— Mas eu não sei ler.
— Não, não é você que deve contá-la. Aliás, minha pobre criança, você não sabe nem falar.
A menina fechou o livro com força e fez uma careta de nojo para o gramático. Ele respondeu:
— Atrevida! Analfabeta! Iletrada! Anômala! Anojosa! Anacoluto! e retirou-se, muito satisfeito de possuir um vasto vocabulário para qualificar a pirralha.
Passou um tempinho, veio pela calçada uma professora de Sociolingüística, com seu gravador a tiracolo, e a menina resolveu tentar a sorte:
— Tia, me conta a história!
— Fala de novo, meu bem, disse a professora, e ligou o gravador. A menina era um exemplo magnífico de falante das classes populares do subúrbio do Rio, de modo que a pesquisadora não podia perder a oportunidade de entrevistá-la.
— Que que é isso?, perguntou a criança.
— Um gravador. Vou gravar o que você falar. Vamos conversar. Quantos anos você tem?
— Me conta a história.
— Depois eu conto. Converse um pouquinho comigo.
— Quero a história.
— Você me conta uma história. Eu gravo, depois passo tudo para o papel, pego a sua história e aí…
Mas a professora não pôde concluir: a menina já estava longe, pulando num pé só, fora do alcance da pesquisadora.
Logo na esquina, a menina encontrou o vendedor de cocadas que fazia ponto perto da escola normal. Pouco movimento, tarde parada. O vendedor olhou pra menina com o livro e perguntou:
— Já leu esse livro?
— Não, lê pra mim?, disse a menina, sem muita esperança de ser atendida.
— Hum, deixa eu ver.
O rapaz abriu o livro. Foi lendo devagar, como era possível, pois tinha aprendido a ler mal e mal, há muito tempo:
— Era uma vez uma menina chamada Chapeuzinho Vermelho. Um dia, a mãe dela cha-cha-mou-a e disse…
A menina deu um suspiro de prazer e sentou no muro da escola para ouvir a história. Lá dentro, alguém dava uma aula sobre Métodos de Alfabetização.
Marlene Carvalho, professora Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Conceituação de Leitura
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O ensino da leitura é uma preocupação de pais, professores e psicólogos, e vem sofrendo uma evolução através dos tempos.
Antigamente, a leitura consistia no reconhecimento de letras, sílabas e palavras. O aluno apresentava boa expressão e ótima pronuncia ao ler, porém, quando questionado sobre o conteúdo lido, não sabia responder, tinha apenas pronunciado palavras sem lhes dar sentido. Hoje isso não é considerado leitura, pois ler é interpretar. Os símbolos gráficos são estímulos percebidos pelos olhos, levados à mente que reage a eles, os reconhece e lhes dá sentido.
Segundo estudiosos, o ato de ler envolve dois processos: o processo sensorial ou fisiológico e o processo psicológico ou mental.
1. Processo Fisiológico
O processo fisiológico ocorre quando o indivíduo recebe os estímulos (símbolos gráficos) através do órgão da visão, que são levados aos centros visuais do cérebro, através do nervo ótico. Para que esse processo ocorra, os olhos devem ter amadurecimento suficiente para reagir aos símbolos gráficos, ou seja, focalizá-los corretamente e distingui-los uns dos outros. Deve-se levar em conta os problemas que podem ocorrer, tais como: miopia, astigmatismo, ou estrabismo. Outro elemento que merece atenção no ato de ler é o movimento dos olhos:
a) os olhos movem-se da esquerda para a direita;
b) os movimentos não são contínuos e sim de saltos e pausas;
c) as pausas variam em número, duração e incidência ao longo das linhas;
d) as imagens se formam na retina durante as pausas;
e) no início da aprendizagem da leitura, as pausas são mais irregulares quanto ao número, duração e localização;
f) a cada movimento de salto, os olhos apreendem grupos de quatro a cinco palavras. A percepção da forma é global. A discriminação é posterior e resulta da coordenação do movimento do globo ocular e dos movimentos de acomodação visual;
g) a extensão de cada movimento é chamada amplitude da visão e varia de aluno para aluno, de acordo com a dificuldade do material de leitura;
h) cada leitor adquire um ritmo próprio de leitura que depende do seu processo de aprendizagem, das oportunidades de leitura que tem, do grau de dificuldade do trecho e de fatores individuais;
i) o traçado de certas letras facilitam o reconhecimento do esquema visual das palavras de um texto, por exemplo, hastes que se prolongam para cima e para baixo da linha.
Não se deve esquecer os fatores físicos que afetaram a sensação: tipo e qualidade do papel, extensão da linha, tamanho da letra, qualidade e quantidade das ilustrações, bem como os fatores pessoais: interesse pelo texto, o nível de linguagem, a disposição física e emocional do leitor bem como o método pelo qual aprendeu a ler.
2. Processo Mental
O processo mental ocorre quando o aluno percebe os símbolos gráficos de forma global, compreende o seu significado como um todo, reage aos fatos, julgando-os e integrando-os à sua vivência.
Visão dos Métodos de Alfabetização
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Vê-se, portanto, que a leitura é um processo mental de grande complexidade. Para que ela seja eficiente, será necessário que se utilize um método que desenvolva adequadamente as atitudes, hábitos, habilidades por ela exigidos. Para ensinar-se a ler, há fundamentalmente duas direções: ou parte-se da parte para o todo (métodos sintéticos) ou parte-se do todo para as partes (métodos analíticos).
1. Métodos Sintéticos
Os métodos sintéticos subdividem-se em:
a) alfabético: o aluno aprende as letras isoladamente, liga as consoantes às vogais, formando sílabas; reúne as sílabas para formar as palavras e chega ao todo (texto);
b) fonético ou fônico: o aluno parte do som da letras, une o som da consoante ao som da vogal, pronunciando a sílaba formada;
c) silábico: o aluno parte das sílabas para formar palavras.
Com base no processo fisiológico, sabe-se que os métodos sintéticos levam o aluno a ler, letra por letra, ou sílaba por sílaba e palavra por palavra, o que acarreta o aumento do número de pausas, favorecendo movimentos de olhos regressivos que causam cansaço, prejudicando o ritmo e a compreensão da leitura.
Do ponto de vista mental, sabe-se que a pessoa percebe os símbolos gráficos de forma global, ou seja, apreende o todo, dando-lhes significado, para posteriormente analisar suas partes. Os métodos sintéticos levam o aluno a perceber partes isoladas, sem significado, truncando sua percepção e compreensão.
Com base nos estudos lingüísticos, a linguagem, quer oral, quer escrita, constitui um todo em que as palavras se estruturam em frases, onde há uma relação de dependência significativa, formando uma seqüência de fatos. A comunicação se estabelece através do desenvolvimento de três aspectos:
• o fonológico,
• o sintático, e
• o semântico.
O aspecto fonológico engloba o conjunto de traços distintivos (traço de sonoridade, traço de nasalidade, ponto e modo de articulação) que vão resultar nos fonemas, que são unidades distintivas do vocábulo.
Os aspectos sintáticos e semântico respondem pela estruturação frasal e significado dos vocábulos, respectivamente. Como, muitas vezes, o significado de um vocábulo depende do contexto, ambos os aspectos estão muito ligados.
Os três aspectos estão associados, já que, para a comunicação necessita-se ter uma imagem acústica e/ou articulatória, ou seja, um significante (fonologia), associado a um significado (semântico) e ambos combinados em estruturas gramaticais (sintaxe).
A dificuldade do aluno surdo torna-se maior na aquisição de linguagem que vise a desenvolver somente os aspectos mecânicos da fala. Essa metodologia pode até levá-lo a conseguir todas as emissões orais de forma correta, mas se as palavras e frases não forem trabalhadas em um contexto significativo, não favorecerão a utilização correta do que aprendeu. Sendo assim, os métodos sintéticos dificultam a aquisição adequada de linguagem, pois trabalham com elementos isolados e sem significado.
2. Métodos Analíticos
Os métodos analíticos subdividem-se em:
a) palavração: este método parte da palavra. Existe aqui a preocupação de que vocábulos apresentados tenham seqüência tal, que englobam todos os sons da língua e as dificuldades sejam sistematizadas gradativamente. Depois da aquisição de determinado número de palavras, formam-se as frases;
b) sentenciação: esse método parte da frase para depois dividi-la em palavras, de onde são extraídas os elementos mais simples: as sílabas;
c) conto, estória (global): esse método é composto de várias unidades de leitura que apresentam começo, meio e fim. Em cada unidade, as frases estão ligadas pelo sentido para formar um enredo, havendo uma preocupação quanto ao conteúdo que deverá ser do interesse da criança.
Dominada a leitura, inicia-se a análise das palavras, tendo em vista a natureza do processo de ler, que é um processo analítico-sintético. A criança só estará lendo quando for capaz de discriminar os elementos de uma palavra, identificando-os e utilizando-os na composição de novos vocábulos.
Do ponto de vista mental, o método da palavração, trabalhando com elementos isolados, não favorece a compreensão de um texto e, sob o aspecto fisiológico, é cansativo e não desenvolve a amplificação da área visual.
Do ponto de vista mental, o método da sentenciação falha quanto ao desenvolvimento da compreensão, pois trabalha com frases isoladas., Descuidada também do processo fisiológico pois a criança aprende a “recitar” as frases sem acompanhá-las com movimentos de olhos adequados e fazendo dessa forma associações incorretas entre o que diz e o símbolo que olha.
Outra crítica que se faz aos métodos analíticos é de que a criança decora, mas não aprende a ler, porém isso é uma falha, não do método, mas das técnicas utilizadas pelo professor.
Métodos de Alfabetização
Eloisa Meireles
Os métodos de alfabetização não são a melhor coisa do mundo. Mas não há nada melhor para alfabetizar um grupo de pessoas, do que usar-se um método de alfabetização.
Os métodos de alfabetização podem ser classificados quanto a dois aspectos:
a) estratégia usada pelo professor ou abordagem
b) ponto de partida da leitura
Quanto à estratégia usada pelo professor ou abordagem, os métodos podem ser globais ou não globais.
Globais: frases, palavras, sílabas e letras são apresentadas dentro de um contexto; são contextualizadas.
Não Globais: frases, palavras, sílabas e letras são apresentadas soltas; são descontextualizadas.
Quanto ao ponto de partida da leitura, os métodos podem ser sintéticos ou analíticos.
Sintéticos: também chamados fonéticos ou fônicos, têm como ponto de partida os sons das letras(fonemas) ou os sons das sílabas (unidades fonéticas).
Analíticos: têm como ponto de partida palavras, frases ou textos.
O ponto de partida da leitura determina a operação lógica predominante que o aluno vai fazer no início da alfabetização.
Se o aluno partir da palavra para chegar às letras, a operação predominante é a análise e, por isto, o método é analítico.
Se o aluno partir das letras ou das sílabas para chegar à palavra, a operação predominante é a síntese e, por isto, o método é sintético.
Os métodos fonéticos são sintéticos.
Os métodos não fonéticos são analíticos
Observe que mesmo nos métodos analíticos é fundamental que se chegue à letra e seu som.
Fonação: o aluno aprende a emitir os fonemas e a aglutiná-los.
b…a…bá
Usado na Inglaterra desde o século XVIII.
Exemplos: Método Montessori
Soletração: o aluno aprende o nome das letras e suas combinações.
bê… a… bá
É o método mais antigo e difundido no mundo ocidental. Por ele, certamente, aprenderam: Camões, Cervantes, Shakespeare e todos os escritores ocidentais até o começo do século XX.
Silabação: o aluno aprende as famílias silábicas.
ba be bi bo bu
É muito pouco usado, atualmente. Na prática virou uma etapa da palavração e da soletração.
Palavração: o aluno aprende palavras e depois as separa em sílabas para com estas formar novas palavras.
Exemplo: Método Paulo Freire
Sentenciação: o aluno aprende uma sentença (frase) que depois é dividida em palavras que são divididas em sílabas. Com estas últimas aprendidas, o aluno lerá novas palavras.
Texto: o aluno é apresentado a um texto lido pelo professor que depois destaca uma frase, uma palavra, até chegar às sílabas ou às letras para formar novas palavras.
Exemplo: método de contos
É raro encontrar uma sala de aula onde se possa ver um método “puro”. Via de regra o professor segue um método e lança mão de recursos de outro. Quando esta mistura é intencional e sistematizada, chama-se método misto ou eclético. Este método era o mais encontrado há 10 anos atrás.
Hoje o que se vê nas escolas públicas das principais cidades brasileiras é a ausência de método, o não método preconizado pelo construtivismo.
É preciso que se compreenda que os métodos de alfabetização dão segurança aos professores, sobretudo aos mais inexperientes, e eficácia ao trabalho.
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* O método de fonação, global fonético porque parte da letra contextualizada. Neste método, as letras aparecem associadas a figuras do universo do aluno, as figuras-fonema. O aspecto lúdico deste método cria uma ligação afetiva forte entre alunos e letras, o que torna a aprendizagem muito rápida. Ao contrário da maioria dos métodos, este não exige esforço de memória porque as figuras-fonema minimizam a memorização.
** O Método Paulo Freire é um método de palavração global não-fonético, no qual as palavras são selecionadas dentro do universo vocabular dos alunos. Paulo Freire inovou quando propôs alfabetizar adultos partindo de palavras que estivessem fortemente ligadas à sua realidade. A relação afetiva com as palavras impulsiona a aprendizagem. A conotação política e libertária do trabalho de Paulo Freire faz dele um dos educadores mais conhecidos no Brasil. Entretanto, o grande esforço de memorização que este método exige, faz com que os resultados sejam insatisfatórios. Muitos adultos desistem porque o processo é demorado. Não utiliza cartilha.
Principais aspectos dos estudos de Emília Ferreiro sobre a Psicogênese da Língua Escrita
Muito antes de iniciar o processo formal de aprendizagem da leitura/escrita, as crianças constroem hipóteses sobre este objeto de conhecimento. Dificilmente uma criança parte da estaca zero em relação a esta modalidade de linguagem, bastando para isso que tenha tido contato com algumas formas gráficas: rótulos de embalagens, revistas, jornais, cartazes nas ruas, nomes de lojas, placas de ruas, folhetos diversos, histórias em quadrinhos…
Quanto maior tiver sido este contato, mais capacitada ela estará para tentar compreender a estrutura e as finalidades da representação escrita. Mesmo aquelas mais desfavorecidas socialmente, já “sabem” muitas coisas a respeito deste processo, embora tenham menor contato familiar com o mesmo, pois, nas sociedades modernas, a linguagem escrita tem um grande poder de penetração. Passo a passo, ainda que distantes do que se considerara ler/escrever, as crianças começam a se organizar em busca de entender o que representam os risquinhos pretos que elas vêem por aí, acompanhados ou não de desenhos e fotos.
Conhecendo os caminhos percorridos por elas para se apropriarem deste conhecimento, talvez seja mais fácil descobrir meios que as ajudem a vencer obstáculos que irão surgindo, criados pela própria complexidade da língua escrita.
Segundo Emília Ferreiro e Ana Teberowsky, pesquisadoras reconhecidas internacionalmente por seus trabalhos sobre alfabetização, a grande maioria das crianças, na faixa dos seis anos, faz corretamente a distinção entre texto e desenho, sabendo que o que se pode ler é aquilo que contém letras, embora algumas ainda persistam na hipótese de que tanto se pode ler as letras quanto os desenhos. Significativamente, estas pertencem às classes sociais mais pobres e mantêm menos contato com material escrito.
Por outro lado, para que algo sirva para ler é preciso que contenha um certo número de letras, variável entre dois e quatro. Para as crianças, uma letra sozinha não representa nada escrito. Rejeitam, também, conjuntos com letras repetidas, entendendo que só podem ser lidas palavras que contenham letras diferentes. Pode-se atribuir esta concepção ao fato de poderem observar nos escritos que vêem no seu cotidiano que a norma é encontrar uma variedade de letras diferentes compondo as palavras.
São rejeitadas, pois, como não sendo passíveis de leituras palavras com menos de três a quatro letras e que contenham letras iguais. No entanto, é justamente por aí que se costuma iniciar o trabalho de alfabetização, ensinando vocábulos curtos, com os mesmos fonemas repetidos como: bebê, babá, bobo, etc… A língua escrita é aprisionada no ensino das famílias silábicas.
Para uma criança em fase de descoberta, a escrita é interpretada como uma forma de representar os nomes dos objetos. Sendo assim, ela se apóia nos desenhos para “ler” o que está escrito.
Será preciso um longo caminho para que ela chegue à leitura/escrita da forma que nós, adultos, a concebemos, percebendo que a cada som corresponde uma determinada forma; que há grupos de letras separadas por espaços em branco, grupos estes que correspondem a cada uma das palavras escritas.
Durante esta evolução, há uma certa dificuldade inicial em perceber que uma oração possa fragmentar-se em pedaços e que cada um destes é uma palavra a ser lida. Tanto a oração inteira pode ser lida apontando-se para uma de suas palavras, quanto as partes não guardam correspondência com a ordem das palavras emitidas.
Se for escrito, na frente da criança, por exemplo, a oração Paulo chuta a bola e a mesma for lida para ela, ao se pedir que a repita, apontando as palavras, pode ocorrer que a palavra Paulo seja indicada e sobre ela lida toda a oração. Se lhe for perguntado onde está tal ou qual palavra, ela apontará uma ou outra, ao acaso, por ainda não perceber a correspondência entre a seqüência sonora e a escrita.
Ainda sem saber realizar a correspondência correta entre os símbolos escritos e os sons que os representam, aos poucos, se mantiver contato com material de leitura e for estimulada a “ler” , a criança conseguirá situar perfeitamente todas as palavras de uma oração lida para ela, começando a perceber que a ordem da escrita corresponde à ordem da emissão das palavras.
A exploração da escrita também será efetuada pela criança se ela estiver habituada ao convívio com lápis e papel. Bem cedo, por volta dos três anos, tentativas de escrita serão realizadas com o uso de traços ondulados contínuos (semelhantes ao m em escrita cursiva) ou de desenhos de círculos e riscos descontínuos (como os que são vistos em letras de imprensa).
Pesquisas sobre o desenvolvimento deste processo, realizados por Ferreiro e Teberowsky, oferecem-nos dados interessantes sobre a constituição do mesmo.
No início desta construção, no nível 1, as tentativas voltam-se para a reprodução dos traços básicos da escrita com que as crianças se defrontam no cotidiano. O que vale é a intenção, pois, embora o traçado seja semelhante, cada um “lê” em seus rabiscos aquilo que quis escrever. Sendo assim, cada um só pode interpretar a sua própria escrita, e não a dos outros.
Nesta fase, a expectativa é de que a escrita dos nomes seja proporcional à idade ou tamanho da pessoa, objeto ou animal a que se refere. Desta forma, a linha ondulada que representará a palavra papai, por exemplo, será maior que aquela que representar o nome e o sobrenome da própria criança, o mesmo ocorrendo com a palavra boi em relação à palavra formiga.
Em muitos casos, o desenho apóia a escrita, da mesma forma que, no início das tentativas de leitura, a criança lia, tanto sobre as letras impressas quanto sobre as imagens. Letras, números e desenhos podem aparecer juntos como se formassem palavras.
No nível 2, a hipótese central é de que para ler coisas diferentes é preciso usar formas diferentes. A criança procura combinar de várias maneiras as poucas formas de letras que é capaz de reproduzir.
Assim, poderíamos ter:
• aron, lido como sapo
• aorn, lido como pato
• raon, lido como casa
A aquisição do formato das letras é mais acessível às crianças a quem são oferecidas situações de convívio, por exemplo, com a escrita do seu próprio nome.
Nesta fase, ao tentar escrever, são respeitadas duas exigências básicas: a quantidade de letras (nunca inferior a três) e a variedade entre elas. Predomina a escrita em imprensa maiúscula, o que indica claramente a origem não escolar do conhecimento e, mesmo que não sejam usadas letras, os riscos, traços e círculos também respeitam as mesmas exigências citadas.
No nível 3, são feitas tentativas de dar um valor sonoro a cada uma das letras que compõem a palavra. Surge a chamada hipótese silábica, isto é, cada grafia traçada corresponde a uma sílaba pronunciada, podendo ser usadas letras ou outro tipo de grafia.
Há, neste momento, um conflito entre a hipótese silábica e a quantidade mínima de letras exigida para que a escrita possa ser lida.
A criança, neste nível, trabalhando com a hipótese silábica, precisa usar duas formas gráficas para escrever palavras com duas sílabas, o que vai de encontro às suas idéias iniciais de que são necessários, pelo menos, três caracteres. Este conflito a faz caminhar para outro nível.
No nível 4 ocorre, então a transição da hipótese silábica para a alfabética. O conflito que se estabeleceu – entre uma exigência interna da própria criança ( o número mínimo de grafias ) e a realidade das formas que o meio lhe oferece – faz com que ela procure soluções.
Tal conflito se evidencia com clareza nas tentativas de escrita de seu próprio nome, especialmente, se a criança já tem uma certa imagem visual do mesmo e seja lida com um repertório de letras visualizadas ocasionalmente. Ela, então, começa a perceber que escrever é representar progressivamente as partes sonoras das palavras, ainda que não o faça corretamente.
Se ela chamar Marina, por exemplo, e conhecer razoavelmente, seu nome escrito, começará a se indagar o porquê de tantas letras, pois, antes, ela supunha que deveria usar apenas três (mia, mar, etc.) pronunciando uma sílaba sobre cada letra.
Nesta etapa, a hipótese silábica começa a desmoronar, porém, quando o meio não provê estas informações, não ocorrem possibilidades de conflito entre as hipóteses da criança, nem ela pode testá-las, avançando na construção de conhecimentos.
Muitas crianças ingressam na escola, aos seis anos, ainda na fase silábica ou mesmo em fase anterior. Obviamente seu percurso será mais lento.
No nível 5, finalmente, é atingido o estágio da escrita alfabética, pela compreensão de que cada um dos caracteres da escrita corresponde a valores menores que a sílaba e que uma palavra, se tiver duas sílabas, exigindo, portanto, dois movimentos para ser pronunciada, requererá mais do que duas letras para ser escrita.
Daí para a frente, haverá ainda muitos problemas causados pelas dificuldades ortográficas, mas se terá concretizado a apreensão da estrutura da língua escrita.
Papel do professor como mediador da construção do processo de alfabetização
É evidente que determinadas informações sobre a correspondência letra/som serão fornecidas pelos adultos aos que se iniciam no processo de alfabetização, mas o processo em si de entender como se estrutura a língua escrita, sob aspectos já vistos, terá sido construído pela criança, a partir das informações e estímulos que o meio, o convívio com material escrito e com outras pessoas lhe tiver oferecido.
Deve-se levar em conta, porém, que tal construção não é uma apropriação puramente individual, mas um compartilhar social, importando, e muito, as condições sociais em que a criança vive; o modo como a palavra é escrita é interpretada e valorizada em seu meio; as oportunidades que tem para lidar com ela; o significado que lhe é dado, o que se pensa a respeito de como e para que se lê e escreve.
Importa muito, também, o modo como o próprio aprendiz é visto pelo professor; as relações de respeito ou descrédito que se estabelecem sobre suas potencialidades.
Neste caso, seria preciso levar em conta as condições sócio-históricas em que a atividade de leitura se produz, analisando não apenas o indivíduo como construtor autonômo do conhecimento, mas também a função de mediação exercida pelo professor, colocando em evidência, portanto, a dinâmica das relações inter-pessoais que atuam na elaboração do conhecimento da leitura/escrita, visto que o modo como se estabelece a interação professor/aluno pode facilitar, dificultar e até mesmo bloquear esta construção.
Época adequada para o processo de alfabetização
Aqueles que demoram mais tempo para aprender a ler e a escrever, simplesmente, tiveram menos oportunidades de lidar com a língua escrita e menos possibilidades de ver em suas casas ações que os informassem sobre a função da escrita.
Normalmente, tudo isto é ignorado pelos professores que partem rapidamente para o ensino das relações entre fonemas e letras, sem propiciar às crianças um ambiente rico em formas gráficas, em que pudessem vivenciar ações especificamente voltadas para a leitura/escrita como: manusear livros; observar o registro de histórias pelo professor; apreciar cartazes, revistas; ver o professor anotar recados ou lê-los; lidar com rótulos de embalagens, “lendo” o nome de produtos da região; observar seu nome e o dos colegas escritos em cartões; ver sua fala registrada pelo professor, a partir de histórias contadas sobre seus próprios desenhos.
Quando surgem dificuldades em relações a este novo conhecimento, em vez de lhes serem dadas tais oportunidades, imputa-se-lhes a culpa pelo fracasso, considerando-se que elas não estão “prontas” para aprender a ler e escrever, por terem deficiências de coordenação motora, de percepcão auditiva e visual. As crianças não são vistas em sua positividade, por tudo aquilo que têm, pela história concreta de vida e experiências vivenciadas. Mas pelo que lhes falta em relação a um padrão médio ideal.
Esquece-se simplesmente que, para aquele que vive no campo, o lápis pode ter o mesmo peso que uma enxada terá para o menino da cidade.
Alguém que é capaz de subir e descer um morro com uma lata d’água na cabeça é acusado de não ter equilíbrio ou coordenação motora para escrever. Não se leva em conta que para saber usar um instrumento é preciso manuseá-lo, usá-lo e, muitas vezes, lápis, livros e cadernos são instrumentos desconhecidos ou poucas vezes utilizados por grande número de pessoas.
Atribui-se a esta mesma criança, quando, vencendo tudo isto, ela se alfabetiza, a culpa de escrever errado porque fala errado. Ignora-se o fato de que qualquer falante usa os modos de fala da sua comunidade de origem e que, no início da alfabetização, qualquer pessoa de qualquer nível sócio-econômico tende a escrever do modo como fala. As que são oriundos de classe média falam num padrão bem mais próximo do que é considerado o correto, daí cometerem menos “erros” de escrita.
A aprendizagem da língua escrita é complexa, como temos visto, mas não se pode reduzi-la à aquisição de uma série de habilidades motoras e percepções.
Para poder aprender a ler e escrever, é preciso entrar em contato com a língua escrita que se apresenta na sociedade de diferentes formas, de tal modo que, ao ter contatos prolongados com a mesma, dentro de um ambiente facilitador que estimule e crie interesse por este conhecimento, a criança aja em busca de compreendê-lo e dele se apropriar.
Trabalhar paralelamente com atividades que propiciem melhor coordenação dos pequenos músculos, com vistas ao uso do lápis, ou com atividades que desenvolvam percepções auditiva e visual, com a finalidade de ajudar os aprendizes a melhor estabelecerem relações entre sons e letras, mal não faz e é até recomendável, porém, tais atividades não os levam a se alfabetizarem, já que o processo enfrentado por eles é de natureza conceitual, não se restringe à aquisição de habilidades mecânicas.
Quando uma criança entra na escola, ela já domina com propriedade a língua falada, comunica-se e entende o que lhe é dito. Toda esta competência no uso da língua, demonstrada por ela, não lhe foi ensinada por ninguém. Não se arrumou a língua falada em ordem de dificuldades, não se fez com ela exercícios de discriminação auditiva para que ela percebesse os diferentes sons, nem lhe foram apresentadas palavras com apenas um fonema. A aprendizagem ocorreu porque a criança esteve exposta à linguagem.
O primeiro passo, portanto, para a alfabetização se realizar, é colocar o alfabetizando em contato com a língua escrita, ajudando-o a desvelar os seus segredos.
A natureza e as dificuldades da língua escrita. O “erro” construtivo
As letras impressas representam os sons da fala, são símbolos destes sons. Um símbolo não precisa ter necessariamente semelhança com o que simboliza. Assim, o sinal vermelho de trânsito significa uma ordem de parar; uma bandeira de determinadas cores simboliza um certo país, um clube de futebol, uma escola de samba.
É preciso que a criança perceba e compreenda esta relação simbólica entre as letras e os sons da fala para que possa ser alfabetizada.
Mas embora a língua escrita represente os sons da fala, não os representa de forma sempre fiel, porque ela é neutra em relação aos diferentes dialetos regionais.
Tomemos, como exemplo, o falar do Rio de Janeiro:
Fala-se “mininu” e escreve-se menino; “tumati”, transforma-se em tomate.
No início do processo de alfabetização, a escrita tende a reproduzir os sons da fala. O professor não deve considerar isto como um erro, devendo aceitar os desvios da norma padrão, considerando-o como normais neste estágio.
Aos poucos, a própria criança perceberá, pelo contato que mantiver com a língua escrita, que as regras para falar nem sempre servem para escrever.
A ênfase, portanto, deve ser no processo de aquisição da língua escrita e não na ortografia padronizada. Quanto mais distante da língua padrão for a fala utilizada pelos alunos, mais distante também será sua escrita, no início da alfabetização.
Quando o professor incentiva seus alunos a escrever produzindo seus próprios textos, ainda que usando a ortografia de forma inadequada, estará levando-os a adquirir fluência na língua escrita, podendo usar as palavras que quiserem para expressar seus pensamentos e não apenas aquelas aprendidas nas cartilhas.
O controle ortográfico excessivo desestimula a produção da escrita. É evidente que o aluno deverá aprender ortografa, mas no tempo oportuno, em momentos adequados.
As crianças cometem erros de grafia porque a relação entre a língua falada e a escrita, em muitos casos, é idêntica, mas, em outros, é totalmente arbitrária.
Há poucos casos, em Língua Portuguesa, de correspondência perfeita entre os sons da fala e as letras do alfabeto. Estes casos só ocorrem em relação a alguns fonemas (unidades de som).
Há situações em que uma mesma letra representa diferentes sons. Vejamos alguns exemplos retirados do dialeto regional do Rio de Janeiro:
A letra e tanto pode representar o som “e”, aberto ou fechado (como em pele, dedo) como pode representa o som “i”, em final de palavra, (como em pote, leite, faladas da forma “poti”, “leiti”).
O mesmo ocorre com a letra o que não só representa o som “o”, aberto ou fechado (como em bola, boca), como o som”u”, (em bolo, falado “bolu”).
No dialeto carioca a letra l, ao ser falada, corresponde, em final de sílaba, ao som “u” (como nas palavras sol, jornal, caldo, almoço).
Outros exemplos como a escrita de rapaz, pés, luz que se pronunciam como “rapais”, “péis”, “luis” comprovam a não total correspondência da língua escrita com a falada.
É preciso que o alfabetizador tenha bem claro as particularidades regionais, o modo de pronúncia de sua região, para que não considere como erro a estratégia inicial usada pela criança ao escrever e que consiste em reproduzir a palavra como ela é falada.
Outro complicador para quem começa a escrever é o fato de a mesma letra representar diferentes sons. Usa-se a mesma letra com um valor sonoro diferente em palavras tais como: sapo, casa, mala, campo, nada, ganso.
Há casos, também, de o mesmo som ser representado por diferentes letras, dependendo: da posição que ocupa na palavra (carro, roda, carta); da vogal que vem a seguir (casa, querida, gato, guerra).
Há, ainda, um outro tipo de relação, talvez o mais complexo: letras que representam sons iguais, em posições idênticas e antes da mesma vogal (casa, certeza, exame).
O mesmo som pode ser grafado de diversas maneiras, também em: russa, roça, cresça, sapato (antes de a); percebe, persegue (antes de e).
Muitas confusões podem ocorrer na grafia de palavras como: chita, xícara, espera, expectativa; mês, vez; jeito, gente; chapéu, papel.
Como se pode ver, a ortografia em Língua Portuguesa é bastante complicada e, por este fato, talvez seja conveniente, no começo da alfabetização, deixar o aluno explorar palavras em que os sons e letras mantenham uma relação ideal, introduzindo, gradativamente, as outras situações. É evidente, porém, que não se pode ficar preso a palavras com tal ou qual fonema. A língua é viva, dinâmica. Palavras mais fáceis, sob os aspectos já vistos, conviverão com outras que apresentem relações mais complexas.
Alguns “erros” são muito comuns em crianças no início da alfabetização. Decorrem de várias visões e devem ser conhecidos pelos professores para que estes os encarem como fazendo parte de um processo longo e complexo que nem sempre é construído tão rapidamente quanto a escola deseja.
Alguns exemplos podem ser observados:
• erros cometidos pela transcrição da fala para a escrita: tristi, mininu, tumati, rapais, mulhe, omi, Framengo, nois, vamu, coelio, mioca;
• erros cometidos pelo uso indevido de letras: susego (sossego), dici (disse), licho (lixo), cei (sei), aseito (aceito), felis (feliz), fogete (foguete), ceijo (queijo);
• erros cometidos por junção ou segmentação de palavras: minhavó (minha avó), mimatou (me matou), a fundou (afundou), a gora (agora).
As pesquisas em revistas e jornais, nestes casos, são muito úteis. O dicionário é sempre um bom recurso e as explicações do professor podem ajudar, e muito, ao aluno, se ele for levado a perceber certas regularidades ligadas à forma das palavras.
Por exemplo, beleza poderia ser escrito com “s” se o aluno se baseasse no som, porém, se ele for levado a entender algumas destas generalidades, seu trabalho será simplificado. Em nossa língua, o sufixo eza serve para compor nomes que correspondem a qualidades como: certeza-certo; moleza-mole; dureza-duro; probreza-pobre.
Certas generalizações ortográficas podem ser aprendidas. É preciso que o professor tenha clareza sobre elas, obtendo informações acerca da estrutura morfológica das palavras. É claro que ele não levará os alunos a decorarem sufixos e prefixos, mas pode-se fazê-los pesquisar palavras que comecem ou terminem do mesmo modo, dando-se exemplos. Eles próprios iriam, aos poucos, organizando o material de consulta.
Com o apoio do professor, as crianças, durante o processo de alfabetização, irão, pouco a pouco, aprendendo a ortografia da língua padrão, desde que suas estratégias iniciais sejam respeitadas, seu modo de falar não seja estigmatizado e lhes seja propiciado contato com material escrito.
A questão dos métodos em alfabetização
Foi dito que a construção do conhecimento sobre a língua escrita é um processo ativo, porém quando se fala na criança como sujeito deste processo, não se está querendo dizer que ela aprenderá a ler sozinha, sem ajuda alguma. Mas, sim, que a maioria das crianças já entra na escola com algumas hipóteses sobre a leitura/escrita; e, também, que não receberão e memorizarão informações que automaticamente farão com que leiam e escrevam.
Há todo um processamento destas informações, a partir da própria atividade de cada um, face ao novo objeto de conhecimento, além do que, essencialmente, a criança procura sentido naquilo que lê.
Entendendo como são construídos os conhecimentos a respeito da língua escrita e a própria natureza e complexidade que a mesma oferece, talvez seja mais fácil para o alfabetizador organizar um trabalho sistemático para ajudar a criança a se alfabetizar.
Não é interessante trabalhar baseando-se no espontaneismo das descobertas ao acaso. É preciso um trabalho planejado para levar o alfabetizando a realizar tais descobertas, cabendo ao professor criar e estimular situações e que elas possam vir a ocorrer.
Diferentes concepções do processo de alfabetização levam ao uso de variados métodos.
Se a alfabetização for considerada como uma associação mecânica de sons e letras, a ênfase destes métodos recairá no treino das percepções auditiva e visual e das habilidades motoras.
Normalmente, as diferentes cartilhas tentam levar os alunos à descoberta da estrutura da língua escrita, sem se preocupar com o conteúdo por ela veiculado. Desta forma, a escrita é introduzida de modo artificial, com frases que não têm sentido algum para quem as lê, servindo apenas como exercícios de adestramento. Nem sempre se forma o leitor, mas meramente um decifrador de sinais impressos.
Se for considerada a atividade cognitiva da própria criança, procurar-se-á levá-la a ter oportunidade de conviver e usar a escrita para chegar à “compreensão” da sua estrutura, entendo-se a língua escrita não como um mero código de transcrição dos sons da fala, mas como um sistema de representação da linguagem, servindo para comunicar idéias e sentimentos, por meio de símbolos.
A ênfase recairá na compreensão da leitura e não mais na decodificação de sinais. A palavra escrita remete diretamente ao sentido.
Sob este ponto de vista, é preciso que a criança tenha experiências com textos escritos, antes de observar, analisar e combinar letras e sílabas.
É importante que sejam proporcionadas oportunidades do uso da escrita de forma significativa, de tal modo, que o alfabetizando possa explorar os vários usos do material gráfico.
Quanto mais material de leitura for criado pelo professor e seu grupo de alunos, mais sentido terá para quem dele se utilizar. Em vez dos textos estereotipados das cartilhas, por que não aprender a ler usando textos de revistas, poemas, cartazes, listas de coisas que interessem aos alunos, histórias em quadrinhos, placas com nomes de ruas, avisos, manchetes de jornais, livros de literatura infantil, cartões com os nomes dos alunos?
É importante que o alfabetizando perceba o uso social da escrita e não a veja apenas como algo escolar, a partir de textos desligados da realidade, visando, apenas, à decifração de sinais.
O leitor se formará a partir das próprias concepções que a criança tem a respeito do que são e para que servem a leitura e a escrita, facilitadas ou não pelo modo como a escola as insere no domínio deste novo conhecimento.
Sugere-se para maior aprofundamento sobre o tema a bibliografia abaixo:
• Ferreiro, Emilia. Com todas as letras. SP, Cortez, 1992.
• Ferreiro e Teberowsky. A psicogênese da língua escrita. Porto Alegre, Edit.Artes Médicas, 1985.
• Ferreiro, Emília. Reflexões sobre alfabetização. S.P. Cortez, 1988 / Ferreiro, e Palácio. Os processos de leitura e escrita. Porto Alegre, Artes Médicas, 1987.
O processo de alfabetização na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky
Um dos mais importantes teóricos da educação, Vygotsky, formulou uma teoria sobre aquisição da linguagem, no início do século.
Em muitos pontos seu trabalho converge com o de Emília Ferreiro, pesquisadora contemporânea.
Vygotsky, descreve o que ele chama de a pré-história da linguagem escrita, analisando as estratégias de que a criança se vale para construir este conhecimento.
Segundo este autor, o gesto é a primeira forma de manifestação de que a criança se utiliza para comunicar suas intenções. O gesto é assim, uma palavra escrita no ar. Depois, o desenho é a forma de escrita da criança.
Em diferentes experimentos, Luria, um dos seguidores de Vygotsky mostra como a criança cria símbolos próprios para representar textos escritos.
No trabalho destes autores fica claro a questão da mediação para construção deste processo, isto é, enfatiza-se o papel do “outro”, daquele que apoia e incentiva a criança fornecendo-lhe pistas que a auxiliem a vencer diferentes fases.
A interação adulto/criança, criança/criança/objeto do conhecimento é fundamental.
A teoria que Vygotsky formulou sobre a pré-história da linguagem escrita, ficou apenas esboçada, já que este autor faleceu muito cedo. No entanto, são muito grandes os pontos de convergência entre seus achados e os de Emília Ferreiro.
Vygotsky enfatizou o papel da cultura, da história pessoal e da linguagem na construção do conhecimento, discutindo a criança não apenas como construtora individual do conhecimento mas vendo-a em interação com elementos da sua cultura.
Emília Ferreiro e Vygotsky, embora tenham realizado pesquisas sobre o mesmo objeto de conhecimento, deram-lhe enfoques diferentes.Ferreiro analisou a gênese da língua escrita e Vygotsky preocupou-se em estudar o modo como as crianças usam a escrita para construir significados a partir de seus sentidos particulares.
Diferentes pesquisadores brasileiros têm discutido a teoria de Vygotsky e seus trabalhos podem iluminar a prática dos alfabetizadores. Dentre eles pode-se citar:
• Ana Smolka – A construção da escrita pela criança. Cortez, 1990.
Dos trabalhos de Vygotsky recomenda-se a leitura de:
• Pensamento e Linguagem – Martins Fontes, 1988.
• Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. Icone, 1988.
• A linguagem e o pensamento da criança. Martins Fontes, 1987.
Outros autores discutem os trabalhos de Vygotsky, Piaget e Ferreiro como:
• La Taille, Kohl – Piaget, Vygotsky, Walon – Teorias psicogenéticas em discussão. Summus, 1992.
Sugestão de Artigos Escolares.
8 Fatores indispensáveis para uma Escola de Educação Infantil.
8 passos para montar uma escolinha de Educação Infantil.
A Alma Da Mulher